Histórias Ouvidas

- A LENDA DO AMOR -
Trad. Oral Argentina
Recontada por Roberto de Freitas

Há muitos e muitos anos atrás, bem antes de Deus ter criado do barro o homem e da costela deste a mulher, as virtudes e os defeitos passeavam pelo mundo conhecendo suas belezas e encantos. Passado algum tempo eles se casaram de correr de um canto para outro e desanimados pararam ao pé de uma montanha, sem ter mais o que conhecer ali ficaram meio entediados. Foi aí que a inteligência e a astúcia propuseram às outras virtudes e defeitos que brincassem um pouco para o tempo passar mais depressa e decidiram, então, brincar de pega-pega. A loucura, antes que qualquer outro se oferecesse, se encarregou de se o pegador, e como ninguém ousava contrariá-la, por conhecerem bem os seus ataques de loucura, concordaram. A loucura, então, tampou o rosto com o braço, e pôs-se a contar: um, treze, raiz quadrada de vinte três, trinta e dois, todo o valor do pi, três elevado a nove, vinte e cinco dividido por dois, nove e meio, setenta e sete, etc... E todos desataram a correr para os seus esconderijos.

A paixão foi a primeira que se escondeu, encontrando um enorme vulcão encandecendo, lá dentro se esgueirou sem dar um pio. A serenidade se escondeu às margem tranqüilas de um lago ao pé de uma montanha. A humildade foi se esconder longe nas areias de uma praia deserta. A mentira disse para todos onde se esconderia, deu mapa, indicou o caminho, apontou com dedo para onde era, mentira. O orgulho subiu até o cume gelado da mais alta das montanhas, e lá se deixou ver orgulhosamente por cima de tudo e de todos. A paciência, sem nenhuma pressa, juntou folha por folha, galho por galho, pedra por pedra, fez um monte, e com muita calma lá se escondeu. A ignorância, apesar de todos terem dito a ela que ali não seria um bom lugar para se esconder, cruzou os braços, deu de ombros e ali mesmo ficou. E assim todos foram se escondendo, cada qual no lugar que mais lhe convinha.

Até que a loucura finalmente sentenciou: um, dois, feijão com arroz, quem gosta de mim é ela, pirulito, setenta e nove, regrinha de três, X menos Y, oitenta e nove, trinta e um, noventa e três e cem, já estou indo, vou encontrar a todos. A loucura, então destrambelhou a procurar. Deu seis passos, e notou que algo lhe espetara o pé, se abaixou para olhar, e ali estava sem mexer ao menos um fio do cabelo, a preguiça. Um, dois, três preguiça. Mais adiante encontrou, correndo de esconderijo em esconderijo, sem se decidir em qual ficar, a dúvida. Um, dois, três, dúvida. E assim foi encontrando a todos, a paixão no vulcão, a serenidade no lago, a humildade na praia...

E depois de muito procurar, reparou que estava lhe faltando encontrar o amor. Procurou, procurou e procurou e não encontrou. Perguntou à todos se tinham visto o amor e nada. A traição, chamou a loucura ao canto, e disse-lhe ao pé-do-ouvido, pedindo que não contasse a ninguém que fora ela que lhe havia dito onde o amor estava escondido, e disse que era ali entre aquelas árvores. A loucura foi até lá, e procurou e procurou e nada. Até que, com raiva, perdeu a cabeça, pegou uma galha de uma árvore, afiou-lhe a ponta, e sai fincando o chão. Foi quando surgiu, frente a loucura, o amor com os olhos ensangüentados.

- Ó loucura, viste o que fizeste, feristes os meus olhos, e sem eles não posso mais caminhar pelo mundo.

A loucura arrependida perguntou ao amor o que ela poderia fazer para lhe ajudar. E o amor então lhe disse.

- Loucura, sem enxergar sozinha não poderei mais encontrar meu caminho pelo mundo, peço-te então que sejas a minha guia.

E foi assim, que a partir daquele dia, pelo mundo afora, o amor cego caminha de braços dados com a loucura.

 

- A Moura Torta (Minas Gerais) -
Recolhida e recontada por Roberto de Freitas

Era uma vez uma mãe que tinha só uma filhinha. E ela era doida com essa filhinha, ela penteava essa filhinha, o cabelo da filhinha, vestia a roupa bem bonita na filhinha, cuidava muito da filhinha, e tinha todo o carinho com a filhinha.
E um dia ela comprou um cachorrinho e deu pra filhinha e falou:
"olha minha filhinha, você vai cuida sempre, porque seu pai foi embora, tá trabalhando numa cidade longe daqui, porque não acha serviço aqui na roça, mas esse cachorro, seu pai mandou que eu comprasse pra você sempre andar com ele perto de você, que esse cachorro, ele vai te proteger a vida toda, porque nós não podemos ter uma pessoa para trabalhar pra gente porque a gente é pobre, quando sua mãe tiver cuidando da roça, que seu pai tá trabalhando longe, você fica sempre com esse cachorro que ele vai te proteger a vida inteira."
"Sim, Mamãe" - a menina falou.
A menina já tava grandinha, foi crescendo feliz, e o cachorro crescendo também, a menina crescendo e o cachorro crescendo, mas dormia com o cachorro debaixo da cama, todo dia o cachorro dormia debaixo da cama da menina, era como um guarda, não deixava ninguém chegar perto da cama da menina.
Mas aí a mãe da menina, um dia, a mãe foi levar, o pai tava viajando, umas verduras pra vender na feira. Então, ela levou a menina, para ir com ela lá na feira, quando ela estava vendendo as verduras, apareceu uma moura, a moura é uma cigana que tinha o nome de moura, cigana moura, apareceu uma moura que tinha a perna torta, o povo todo chamava ela de moura torta e tinha medo dela. E a moura torta, então roubou a menina, enquanto a mãe estava distraída vendendo a verdura e levou a menina pra casa dela que era muito longe dali. Mas quando ela pegou a menina, o cachorro viu e correu atras, o cachorro não deu conta, a moura era muito esperta, e quando o cachorro foi chegando perto dela, ela rumou um pau na cabeça do cachorro e o cachorro morreu, aí ela levou a menina pra casa dela, e o cachorro ficou morto lá na estrada.
Aí a menina foi chorando, chorando e soluçando, e a moura cigana falou com a menina:
"Cê não tem nada que chora, eu vou te dar comida, eu vou tratar de você melhor que sua mãe tratava, eu vou te dar pulseira de ouro, eu vou te dar colar de ouro, e vou levar você na feira, você vai aprender tocar pandeiro, pra você tocar pandeiro na feira comigo, e você vai ser uma moura como eu, tocar pandeiro, dançar e cantar, lá na feira pra ganhar dinheiro".
E a menina só chorando, chorando, querendo a mãe dela, querendo o pai, e não sabia o que fazia. Aí essa moura torta mandou a menina deitar, quando a menina tava deitada, a menina viu, o que que a menina viu?
A moura torta foi lá buscou o cachorro, trouxe o cachorro, tirou o pelo do cachorro, o cachorro que ela tinha matado, pegou cozinhou a carne do cachorro e comeu. Deixou a pele do cachorro fazendo um tapete, aí a menina foi e falou assim:
"Gente essa moura é doida se ela come carne de cachorro, meu Deus do céu, essa moura pode querer me comer, ó meu Deus do céu, quem sabe ela come gente..." - não comia não, mas a menina pensou que cigano comia gente, de tanto medo que ela tava porque viu a moura comendo o cachorro, aí a menina, de noite, começou a chorar, e a rezar na cama dela.
"Aí minha mãe, a moura quê me come..."
Aí o pêlo do cachorro respondeu:
"Eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver..."
A menininha tornou a cantar:
"Aí minha mãe, a moura quê me come..."
Aí o pêlo do cachorro respondeu:
"Eu já vou, (imitando a voz da mãe da menina) eu já vou, eu já vou já te ver..."
Aí a moura viu isso e falou:
"O que? Esse cachorro que tomava conta da menina era mágico, pois o pêlo dele tá cantando."
Pegou o pêlo do cachorro, botou no jogo e queimou.
A menininha chorou, chorou, chorou, chorou, aí quando viu que queimou o pêlo do cachorro e que a moura foi mexer nas panelas pra fazer comida a menina falou:
"E se a moura quiser me matar aí começou a cantar:
"Óh minha mãe, a moura quer me comer, aí minha mãe, a moura quer me comer..."
Aí a cinza do cachorrinho respondia:
"Eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver..." Imitando a voz da mãe da menina.
Aí a menininha ficava mais sossegada, pra poder dormir.
Aí a moura desconfiou que a cinza tava cantando, pegou a cinza toda e jogou no rio que passava no fundo do quintal. Aí a menininha foi, com medo da moura, tornou a cantar:
"Aí minha mãe, a moura quê me come..."
Aí a cinza que ia descendo pela água do rio respondeu baixinho:
"Eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver..."
A menininha tornou a cantar e a cinza tornou a responder, com a voz quase sumindo, porque a cinza já estava longe no rio:
"Eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver..."
Aí depois a menininha não escutava mais a voz da cinza do cachorrinho, mas a cinza do cachorrinho que ia boiando encima da água, cantava arremedando a menina e imitando a voz da mãe:
"Aí minha mãe, a moura quê me come..." "eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver..."
Aí foi esse rio rodando com essa cinza até que passou lá na feira da cidade, e a mãe que tava lá na feira procurando a filha, há três dias e três noites procurando a filha, ouviu aquela vozinha que vinha de dentro do rio:
"Aí minha mãe, a moura quê me come..." "eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver...".
A mãe falou é a voz da minha filha, e essa voz que responde deve ser a voz do cachorrinho encantado que o pai mandou que eu comprasse pra ela, o meu Deus, quem sabe esse cachorrinho era o anjo da guarda da minha filha, cachorro não fala. Ó povo da minha terra, me ajuda - juntou o povo todo da feira - vamos lá se falou que a moura quer me comer, só pode ser que a minha filha está com a moura torta.
Aí juntou todo mundo com pedaço de pau, enxada e todo mundo foi atras da casa da moura.
E quando chegaram lá na casa da moura, ele cercaram a casa, e falaram:
"Entrega a menina, se você não entregar a menina, sua moura torta, nós vamos entrar na sua casa, nós vamos te matar."
Ela foi e gritou de lá:
"Eu jogo um feitiço em vocês"
E eles falaram:
"Não temos medo de feitiço de moura torta. E essa menina que esta aí dentro é protegida pelo anjo da guarda, foi o anjo da guarda dela que foi lá nos avisar."
Aí a moura falou:
"Como o anjo avisou a vocês?"
Aí o povo todo cantou:
"Aí minha mãe, a moura quê me come..." "eu já vou, eu já vou, eu já vou já te ver...". Aí a moura viu que era do jeito que a menina cantava, ela ficou tão assustada com tanto medo que aquele cachorro pudesse ser o anjo da guarda da menina que ela tivesse matado, que aí ela tremendo de medo veio pra fora, entregou a menina deixou o povo levar a menina, aí eles falaram que iriam trazer o delegado mais poderoso pra prender a moura, aí a moura foi e falou:
"Pelo amor de deus não chame o delegado pra mim prender não, eu só matei um cachorro, eu não tinha culpa se o cachorro era encantado ou era o anjo da guarda, eu nunca matei ninguém, eu só queria criar essa menina, pra fazer dela uma ciganinha, pra canta e dança na feira comigo pra ganhar dinheiro, não precisa chama o delegado, eu vou sumir dessa terra e nunca mais voltar"
E pegou a pusera de ouro e o colar de ouro e deu pra menina leva. Aí a moura sumiu daquela terra, e a mãe da menina que era pobre vendeu a pusera e o colar de ouro, que ninguém queria fica com pusera e colar de moura torta, e aí eles venderam e a menina voltou pegou o dinheirinho e pode comprar, era uma pusera de muito ouro e um colar de muito ouro, deu pra poder comprar uma casinha um pouquinho melhor pra menina, um pedacinho de terra pra poder plantar e aí quando o pai voltou da viagem ele falou:
"Agora nós vamos trabalhar na nossa roça mesmo".
Ficaram muito felizes, e viveram felizes para sempre.

 

- Bicho Pé-de-Garrafa (Mato Grosso) -
Recolhido por Amaury Borges/ Recontado por Roberto de Freitas

Psiuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Escuita, escuita.....
Parece gente perdida no mato, mas não é não, esse eles contam que é o tar de do bicho pé de garrafa, se eu já vi? Já vi e não quero torná a vê ele nunca maisi.
Foi lá prás banda da cafundó, enbocadura do sepetuba, era uma Sexta-feira Santa dessa de lua cheia. Tava eu e o meu finado vozim, que Deus o tenha em bom lugar, e resolvemo fazer um caçada.
Embrenhamo mato adetro umas quarenta braçada, chequemo lá perto de um pé tarumareira assim grandona, bocuda, subimo e aresolvemo armá nossa espera. Cheguemo lá, armemo minha redinha do lado de cá, a do meu avozim, que Deus o tenha em bom lugar, do lado delá. Meu avozim, que Deus o tenha em bom lugar, já começou a biscoitá o seu fuminho, daqui dali delá e de cá, era uma noite dum silêço que dava intié pra escuitá quando as foia caia lá de riba e espatifava cá no chão.
E ficamo ali pra maisi de hora esperano, esperano, aquele silênço, quando daqui há pouco começou um barunhio, crac, crac, crac, crac, crac, eu gelei, meu finado vozim, que Deus o tenha em bom lugar, nem tava aí, só armô, como quem não quer nada a fobé, e eu tremeno armei a minha, e esperamo, crac, crac, crac, crac, crac, e noisi começou a ouvi um mixido lá embaixo, debaixo das foiage seca, e começou a mexe, e começou um fedó tumen isquisito, e começou a mexe, e a subi daquelas foiage, uma coisa meio gusmenta que deu logo pra vê que era a cara de um homenico assim baixim, e foi se esticano, que foi se esticano, e tinha uma barbicha que ia inté o chão, e foi se esticano, esticano, até ficá da artura da minha cara, arriba d'eu, zoiudo, de pertim que fico dava inté pra sentir o bafo do homenico, eco, e logo, com uma voz meio roca, falo comigo:
- "Que que cê tá fazendo aqui, tiago. Faize isso não home, cê veio aperceguir os bicho que a natureza criou pra mode fica livre e vivê como bien entendê. I o cê veio apercegui os bichinho, fazi isso não tiago, faizi isso não apruquê um dia a de vir um praga sobre o cê e a sua famia que ocê nunca maisi a de se prumá, a natureza já deu pra vosmicesi a galinha, o porco, o cabrito, a vaca, para mode ocêis matá, comê e fazê o bem que o cês intendê, e ocê veio aperceguir os bichim que a natureza criô pra mode fica livre, faz isso não, tiago, fazi isso não, vai embora, vai embora..."
Falando aquilo o homenico começou a se agruvinha, agruvinha, agruvinha, inté desaparecê debaixo da foiagem, e iqualinho apareceu ele iqualim desapareceu, só fico aquele fedó esquesito no ar.
Eu e o meu finado vozim, que Deus o tenha em bom lugar, ficamo ali, gelado, pra mai de hora, até que começamo a escuitá uns piado de passarim, o sol começou a aparecê, e noise como que derreteno, fumo amoleceno, ai juntemo as nossa parte, decemo, peqguemo o caminho de casa.
Nunca maisi, desde daquele dia, nunca maisi fizemo uma caçada siquer.
Bicho do mato protege nosi que somo é home do mato!!!
Dum Dum Sererê (Minas Gerais)
Versão contada por Carla Marães

Vocês são corajosos?
Querem ouvir histórias?
Histórias de assombração?

Outro dia eu contei uma história num lugar, quando eu tava saindo, voltando pra casa, a noite, uma noite silenciosa, eu caminhando comecei a perceber que alguma coisa tava me seguindo, eu tinha uma sensação forte que alguma coisa estava atrás de mim. Bom, continuei andando, comecei a andar um pouquinho mais rápido, e a coisa também continuou a andar atrás de mim mais rápido. Eu já tava correndo e a coisa correndo atrás de mim, até que, tropecei e caí no chão, gente, na hora que eu fui virar pra trás quem que eu vi? O assombração da história que eu tinha contado, e era um assombração horroroso, tinha uns zóio vermelho e enorme, parecia com duas brasas, todo peludo, de rabo, as zunha preta e grande assim, e ele me olhou dentro do meu olho e disse assim: "Despeje o que tá nas cuia e nos cuité e dê cacá!!" Gente eu não tinha nada pra dá pra ele, não tinha nada nos bolço, era noite de madrugada, eu gelei comecei a rezar, gente aí eu tive uma idéia de começa a contar uma história pra ele, de entreter ele com histórias, e não é que ele gostou, e tá desde este dia me acompanhando, a onde eu vou contá história ele vai atrás, ele tá ai,

No tempo em que o QUIBOMBO, QUIBOMBO GERÊ
QUIBOMBO TERERÊ, ou BICHO POMDÊ ou DUMDUM DERERÊ
Ou para os íntimos DUMDUM SERERÊ
Andava pelas ruas, pelos caminhos, comendo crianças, nenhuma menina, nenhum menino, podia sair, a noite e nem de dia de casa sozinho. Acontece que morava lá na roça, uma menina e sua mãe. De dia a mãe até deixava essa menina sair, moravam as duas sozinhas, o pai trabalhava em outra roça longe, e a menina era muito atenciosa, e a mãe era muito cuidadosa com sua filhinha, então a mãe avisara, muita atenção, muito cuidado. E ela saia, saia pra plantar couve, colhê couve, planta banana, colhê banana, planta milho, colhe milho, pra ver os bichos da mata próxima, brinca nos galhos da jaboticabeira, pega pedrinha para sua coleçãozinha, para olhar as nuvens, fica deita na grama horas olhando os desenhos das nuvens, um olho nas nuvens e outro olho no sol, para nunca se atrasar. Agora de noite, de noite não, não se podia sair de casa definitivamente, acontece que a noite lá naquele lugar, na roça, era muito especial, uma brisa fresquinha, perfumada, com cheiro de alecrim do campo, da dama da noite, de todas as rosas, junto com esse cheiro de vez em quando vinha um cheiro de maresia, é um cheiro de mar, e esse cheiro era tão forte, parecia que a brisa carregava uma onda inteira com seus peixes, suas algas e sua espuma, o mar estava muito distante dali, e a menina não conhecia o mar. Então, numa noite em que a lua despontou enorme, branca cheia redonda, essa menina não resistiu, e na calada da noite, ela se levantou, sua mãe roncava, caminhou pé-ante-pé, abriu a porta lentamente, e lá estava a noite inteirinha esperando por ela, quando ela pós seus pés descalços naquela areia morna, e ela foi andando, e foi andando, e o seu desejo de ser feliz a levou longe, muito longe, e os vaga-lumes dançando ao redor dela, as cobras, os sapos, as corujas, os morcegos, os bichos da noite, que ela ainda não conhecia, estava cantando para ela. Até que ela chegou numa encruzilhada, um caminho pra esquerda, outro caminho para direita e uma bananeira no meio, ela olhou para a esquerda, olhou para a bananeira, olhou para a direita, e nesse pequeno momento de indecisão, o DUMDUM CERERÊ se aproximou dela, ela não podia sentir aquele cheiro fedorento, porque o perfume da noite era mais forte, HUM-HUM-HUM-HUM, e ela não podia ouvir o HUM de DUMDUM CERERÊ, porque o cantos dos animais da noite era mais forte, HUM-HUM-HUM-HUM, e ela não podia ver aquele buraco enorme nas costas daquele bicho peludo, abrindo, HUM-HUM-HUM-HUM e fechando, HUM-HUM-HUM-HUM e ele foi se aproximando dela por trás e heap, e montou nas suas costas, a menina saiu correndo em disparada, sem querer olhar para trás, e o BICHO DUMDUM SERERÊ preso nas costas dela, e ela arrastando o bicho juntou todas as suas forças para cantar assim:
MINHA MÃEZINHA - DUMDUM CERERÊ
DO MEU CORAÇÃO - DUMDUM CERERÊ
ACUDIME DEPRESSA
QUE O BICHO PONDÊ
QUER ME COMER - DUMDUM CERERÊ
MINHA MÃE ME DIZIA - DUMDUM CERERÊ
QUE NÃO ANDASSE DE NOITE - DUMDUM CERERÊ
QUE O BICHO PONDÊ
PODERIA ME COMER - DUMDUM CERERÊ
Até que ela parou em frente da casa da madrinha dela, era a casa da madrinha dela, com certeza, aquela casa de barro batido, cerquinha de madeira e chão de terra varridinho, era a casa da madrinha dela, e ela então pediu ajuda a madrinha dela, mas pediu cantando:
MINHA MADRINHA, MINHA MADRINHA - DUMDUM CERERÊ
ME ABRE A PORTA - DUMDUM CERERÊ
QUE UM BICHO TAMANHO - DUMDUM CERERÊ
QUÊ ME COMER - DUMDUM CERERÊ
E A MADRINHA DELA RESPONDE:
MINHA AFILHADA, AFILHADA - DUMDUM CERERÊ
NÃO ABRO A PORTA - DUMDUM CERERÊ
SUA MÃE TE DIZIA - DUMDUM CERERÊ
QUE O BICHO TE COMIA - DUMDUM CERERÊ
E a menina não desistiu não, ela continuou cantando e com a força do canto, ela continuou arrastando o bicho pela estrada de terra afora:
MINHA MÃEZINHA - DUMDUM CERERÊ
DO MEU CORAÇÃO - DUMDUM CERERÊ
ACUDIME DEPRESSA
QUE O BICHO PONDÊ
QUER ME COMER - DUMDUM CERERÊ
MINHA MÃE ME DIZIA - DUMDUM CERERÊ
QUE NÃO ANDASSE DE NOITE - DUMDUM CERERÊ
QUE O BICHO PONDÊ
PODERIA ME COMER - DUMDUM CERERÊ.
Quando ela parou naquela casa caiada de branco, de janela amarela, com jardineiras, com gerânios vermelhos plantados, ela reconheceu, era a casa dela, a casa em que ela tinha nascido, a casa da mãe dela, ela se encheu de entusiasmo, e cantou, mas desta vez ela cantou forte, mas muito mais forte,
MINHA MÃE, MINHA MÃEZINHA - DUMDUM CERERÊ
ME ABRE A PORTA - DUMDUM CERERÊ
QUE UM BICHO TAMANHO - DUMDUM CERERÊ
QUÊ ME COMER - DUMDUM CERERÊ
Mas ela cantou muito mais forte que isto, ela cantou duas vezes e desta vez ela cantou com uma força que vinha lá de dentro do fundo do coração:

MINHA MÃE, MINHA MÃEZINHA - DUMDUM CERERÊ
ME ABRE A PORTA - DUMDUM CERERÊ
QUE UM BICHO TAMANHO - DUMDUM CERERÊ
QUÊ ME COMER - DUMDUM CERERÊ

E a mãe dela respondeu assim bem baixinho:

MINHA FILHA, MINHA FILHINHA - DUMDUM CERERÊ
NÃO ABRO A PORTA - DUMDUM CERERÊ
EU BEM TE DIZIA - DUMDUM CERERÊ
QUE O BICHO TE COMIA - DUMDUM CERERÊ

E naquele instante tudo ficou mudo, as cobras, os sapos, as corujas, os morcegos, todos os bichos da mata pararam de cantar, ficou tudo no mais completo silêncio. A lua se cobriu sozinha, até o cheiro das flores desapareceu. E aí só se ouvia um barulho assim, XXXXXXXiiiiiiiiiiiiiii , HUM-HUM-HUM-HUM, XXXXXXXiiiiiiiiiiiiiii , HUM-HUM-HUM-HUM, era o DUMDUM CERERÊ arrastando a menina e fazendo HUM-HUM-HUM-HUM, em direção a mata, e a mata nem se mexia, e de repente um ronco surdo saiu de dentro da garganta daquele animal, e aí num pulo ele largou a menina e saiu gritando para a mata dentro, a menina ficou ali no chão, caída ali no chão, tremendo que nem vara verde, e com os olhos esbugalhados de tanto medo, que que teria assustado aquele bicho tamanho, será um bicho maior ainda, o coração dela quase saltando pela boca, e aí ela ouviu passos que vinha na sua direção, e essa coisa se aproximou dela, ela sentiu que agachava perto dela, chegava perto do ouvido dela, e disse o seguinte: minha filha, vamos para casa. Era a mãe dela, que tinha acabado de jogar um caldeirão de água fervendo nas costas do bicho e fincado um espeto na bunda do bicho. Agora a mãe e afilha viverão felizes por muitos e muitos anos. Agora o DUMDUM SERERÊ nunca mais se ouviu falar nele por aquelas redondezas. Ninguém sabe por onde ele anda. Agora a história acaba aí, mas tem uma coisa, se por acaso algum de vocês começar a sonhar com esse bicho, perder noites de sono, achar que esta sendo seguido por uma escuridão, vocês façam o seguinte, é fácil, fácil, vocês pegam uma folha de papel, e desenham lá no meio o DUMDUM SERERÊ, e em volta você colore tudo tudo, não deixa nem um gretinha, nada, fazem uma prisão para o DUMDUM SERERÊ que é incapaz de fugir dali, aí você ponham numa moldura, num quadro, e dependuram no quarto, ou então cante, porque que canta seus males espanta.

 

- Os três irmãos e a prima rica (Minas Gerais) -

Era uma vez uma moça rica e bela que foi hospedar-se na casa de um tio pobre, pai de três filhos já moços e ainda solteiros.

No fim de poucos dias a moça percebeu que era cortejada pelo primos, cada qual guardando para os demais o segredo dessa paixão.

Não levou muito tempo, marcou-se para o dia seguinte a partida da prima.

Cada um dos namorados resolveu confessar-lhe o seu amor, pedindo-a em casamento.

O primeiro a falar-lhe foi o que se chamava Manuel.

A rapariga ouviu-lhe o pedido, mas, não o amando e sendo muito espirituosa, propôs-lhe dizendo:
- Fiz voto de só casar-me com o homem que me der as mais fortes provas de sua coragem. Serei tua esposa se hoje à meia noite penetrares na Matriz, vestido de preto, e, fingindo de morto, lá ficares, com um lenço sobre o rosto, espichado no caixão velho que estará sobre a eça. Antes terás o cuidado de acender as velas em torno do caixão, e não te podes retirar antes do romper do dia, hora em que lá me apresentarei.

Manuel não pôs duvida em aceitar a proposta.

Chegou a vez de João. Feita a declaração, obteve a seguinte resposta:
- Fiz voto de só desposar aquele que me der provas da maior coragem. Serei tua esposa se esta noite, à uma hora da madrugada, penetrares, mascarado, na Matriz, vestido de preto e, assentando-te junto do caixão que lá encontrarás, fizeres quarto ao defunto que nele estará depositado. Ao raiar do dia irei ver se não abandonaste o posto.

João aceitou a proposta com alegria, como se a coisa fosse de fácil execução.

Finalmente, à tardinha, o mais moço dos irmãos, chamado Pedro, foi ter com a prima, que lhe respondeu, como já fizera aos outros:
- Fiz voto de só desposar aquele que me der provas da maior coragem. Caso-me contigo se esta noite, às duas da madrugada, penetrares na Matriz ao amiudar dos galos, vestido de diabo: uma vestimenta vermelha com muitas campainhas, duas tochas acesas nas mãos e uma máscara de demônio no rosto. Assim vestido entrarás pela porta principal e irás até ao altar-mór, de onde me trarás, como prova de tua coragem, um certo objeto que acharás sobre a banqueta.

Pedro, contente e risonho, jurou cumprir tudo que a outra lhe havia ordenado.
A moça foi, depois disto, à casa do velho sacristão, e propôs-lhe, por uma boa molhadura e sob condição de segredo, deixar ele aberta, durante toda a noite, a porta principal da Igreja e bem assim colocar sobre a eça o caixão dos pobres.

Assim se fez.

Manuel, antes da meia noite, vestido de preto, partiu para a Matriz. Experimentou a porta principal a ver se podia arrombá-la e, encontrando-a cerrada, cantou vitória pela coincidência.

Lá estava o caixão.

Aproximou-se de vagar, olhou para um lado e pro outro. O relógio dava compassado as badaladas da meia noite.

Embora sentisse arrepios de medo, Manuel acendeu as velas em roda da eça, subiu para o caixão e nele se deitou, colocando o lenço no rosto.

Ali se deixou ficar, raspando um medo dos diabos.

Há uma hora, ao cantar do galos, ouvir rumor na porta, sentiu que alguém, passo a passo, se aproximava. Percebeu que o visitante arrastava uma cadeira e se assentava junto do caixão, tremendo como varas verdes.

Um suor frio corria-lhe pelo rosto. Fazia mil esforços para não estremecer e não dar testemunho do pavor que sentia. Toda a sua vontade era saltar do caixão e fugir, mas ia se contendo como podia.

De seu lado, João também tremia como luz de candeia que está para morrer, o cabelo em pé, o coração aos pulos. O silêncio na Igreja era profundo, só interrompido, de vez em quando, pelo canto das corujas, o vôo dos morcegos ou os estalados do madeiramento velho.

O rapaz lembrou-se de suas orações e começou a cochichar Padre-nossos, Ave-marias e o Credo em Cruz, numa voz cavernosa que fazia era aumentar o terror do suposto defunto.

Ia a coisa assim, quando lá pras tantas, ao amiudar dos galos, se ouviu o tililim tililim das campainhas. Na porta aberta da Igreja apareceu a figura diabólica do outro que chegava. Diante da horrível aparição, João ergueu-se da cadeira e Manuel do caixão, arrancando o lenço do rosto.

Ambos sem se reconhecerem puseram-se em desenfreada fuga.

O diabo que não era outro senão Pedro, assistia assombrado, quase borrando as calças, a toda esta cena, e tanto mais tremia mais fazia soar as campainhas.
Ao ver que os fugitivos passavam por ele em louca corrida, deu também tudo quanto tinha... E lá foram os três correndo na mesma direção que não era outra senão a da própria casa.

A prima os esperava à janela e, ao vê-los chegar ao mesmo tempo em tão grotesca atitude, não pode conter-se e caiu na gargalhada, exclamando:
- Perderam a aposta! Não tive culpa de que não tivesse tido coragem!

Só então viram os irmãos o papel triste que haviam representado e conheceram que amavam todos, sem o saber, a bela prima, a quem pediram de joelhos não revelasse o caso que, se sabido fosse, muito faria rir ao povo do arraial.

Fizeram as pazes e, no outro dia, a moça retirou-se para a sua fazenda.

O caso veio a ser sabido por boca da mulher do sacristão que não era lá nenhum baú de segredos e que ficara muito satisfeita com a grossa molhadura recebida pelo marido.

Com o dinheiro fez uma festa, tomou umas a mais e contou tudo quanto se havia passado e foi o alegrão do pagode.

- Os Músicos Prosas (Minas Gerais)-

Havia numa terra de minas dois músicos, afamados clarinetistas. Ninguém podia com eles. Por isso mesmo, eram rivais e andavam sempre de rusgas. Pertenciam a bandas diferentes e seus admiradores constituíam-se em partidos.

Certa vez encontraram-se na rua e puseram-se a conversar. É que de mal, de mal mesmo, nunca chegaram a ficar. Sustentavam sempre boa política.

Um deles gabou-se:
- Há poucos dias, toquei numa festa do Senhor dos Passos em certa cidade e quando saiu a procissão a banda tocava um dobrado tão lindo que meti a clarineta na boca, meu compadre, com um gosto... Todo mundo me admirava e já nenhum outro instrumento sobressaia. Dali a pouco, viu-se o Senhor dos Passos mover-se no andor e como quis subir ao céu, embalado pelos sons que saíam da minha clarineta, os padres, as irmandades, o povo, tudo estava voltado para mim e de boca aberta, diante daquele milagre. Foi preciso parar o dobrado para que a procissão continuasse a marcha e o Senhor dos Passos ficasse quieto no andor!

O outro músico ouviu com toda paciência a maranha do rival. Depois, pegando a palavra, saiu-se com esta:
- Isso é nada, compadre, em comparação com o que se deu comigo na mesma cidade de que você falou. Fui tocar no enterro de um graúdo. Gente que não acabava mais. Começamos uma marcha fúnebre. Minha clarineta estava mesmo manhosa; chorava que dava gosto. O povo ficou apatetado, olhando para mim, como se a minha música fosse coisa nunca ouvida, vinda lá do céu. Dali a pouco, não havia quem não chorasse, gabando a minha clarineta, dizendo que não havia coisa igual em toda a redondeza. Eu continuei, modestamente e, quando ia no melhor da festa, o caixão começou a mover-se, a tampa abriu-se e, ao som do instrumento, o defunto foi-se levantando até que ficou de pé. E, voltando-se para mim, gritou entusiasmado:

- Vai tocar clarineta assim lá nos quintos dos infernos.

- Roteiro de Padre Lourenço (Minas Gerais) -

Havia em certo lugar de Minas Gerais um vigário a quem os paroquianos chamavam de Padre Lourenço. Era muito bondoso, muito acessível às suas ovelhas mas, por isso mesmo, elas lhe tomavam todo o tempo com suas confissões.

A que xingava o marido, a que espiava a vizinha pelo buraco da fechadura, a que caluniava o caixeira da venda, afirmando, por toda parte, que ele lhe servia uma coisa, mas assentava outra, bem mais cara, na caderneta, não o deixavam em paz.

Sentido-se irremediavelmente perdidas na prestação de contas do Juízo Final, não apenas essas, mas as dezenas de beatas do lugar, nem bem cometiam o seu pecado, já corriam à Igreja para que o santo religioso lhes aliviasse a cacunda, absolvendo-as de tão perigosas culpas. E o vigário já não tinha tempo para coçar-se.

Acordava-se ele ao cantar dos galos e, em jejum, como é do preceito, corria para a nave umbrosa da Matriz, apenas alumiada por uma ou outra lamparina que ardia nos nichos e ia encafuar-se no confessionário, à espera de que uma a uma, de cabeça envolta no fichu, as beatas viessem referir-lhe, em voz untuosa, os seus pecados das últimas horas, suplicando-lhe absolvição. Ao terminar o serviço, as contritas mulheres estavam mais leves, mas em compensação o vigário já não podia mais de fraqueza, pois jejum tão prolongado não nenhum biscoito.

Então, para dividir o trabalho e torná-lo menos penoso, o acatado clérigo resolveu organizar um roteiro para as desobrigas, o qual foi lido do púlpito, um domingo à hora da missa, e dizia assim:

"Minhas devotas. Estou ficando velho e cansado e por isso, de agora em diante, resolvi seguir para as confissões este roteiro: aos domingos confessarei as preguiçosas; às segundas as maldizentes; às terças as ladras; às quartas as hipócritas; às quintas as bêbadas; às sextas as feiticeiras e aos sábados as comilonas e as erradas".

Desse dia por diante nenhuma daquelas santas beatas quis mais confessar-se na sua freguesia e o Padre Lourenço viveu ainda muitos anos, na santa paz do senhor.

 

- A Flor do Maracujá (Ceará) -
Catulo da Paixão Cearense

Encontrando com sertanejo
Perto de um pé de Maracujá
Lhe perguntei
Diga-me meu caro sertanejo
Porque as flores do maracujá ficaram roxas?
E ele me respondeu:
"Apois antonce eu lhe conto
A história que eu ouvi contá
A razão porque nasce roxa a flor do maracujá.
Maracujá era branco
Eu posso inté lhe jurar
Mas branco que a claridade,
mais branco do que o lua.
Quando a flor brotava nele
Lá pus confins do sertão
maracujá parecia um ninho de algodão
Mas foi um dia de um mês que inté não me lembro se foi maio, se foi junho,
se foi janeiro ou dezembro,
Nosso senhor Jesus Cristo foi condenado a morrer,
numa cruz lá bem no alto longe daqui como quê!
E havia nos pés da cruz perto de nosso senhor
Um pé de maracujá carregadinho de flôr
Pregaram cristo a martelo
E ao ver tamanha crueza
A natureza inteirinha pôs se a chorar de tristeza chorava pois os campos
As ribeiras,
sabiá também chorava nos gaio da laranjeira
e o sangue de Jesus Cristo
Sangue pisado de dor
Caíram nos pés da cruz
Tingindo todas as flor
E foi por isso seu moço que as flor do pé da cruz
Ficaram roxas também como as chagas de Jesus
A pois atão lhe contei a história que eu ouvi conta a razão pruque nasce roxa
A flô do maracujá.

 

- Maria de Todo Jeito (Pernambuco) -
Patativa do Assaré

Sou um pobre vagabundo
Meu nome é Mané Preá,
Vivo vagando no mundo
Que nem bola de biá
Pelo taco sacudida;
A história de minha vida
É de arrupiá cabelo;
Vou contá pubricamente,
Pra todos ficá ciente
D'onde vem meu dismantelo.

Vou dá uma prova boa,
Por mintira ninguém tome.
A bondade da pessoa
Nada tem havê com nome.
Minha mãe era Maria,
Nome que lhe deu a pia
Numa abençoada hora;
Era carinhosa e bela.
Maria do jeito dela
Só mesmo a Nossa Senhora.

Divido a sua bondade
E o seu nome tão bonito,
Eu tinha grande vontade,
Uma esperança, um parpito
De quando ficá rapaz,
Pra omentá meu cartaz
Meu prazê, minha alegria
E a vida ficá mais boa,
Casá com uma pessoa
Com o nome de Maria.

E quando rapaz fiquei,
Foi sacrifício de morte
Andei, virei, revirei
E a coisa não dava sorte;
Foi um trabaio penoso,
Porém eu sempre teimoso,
Sem mudá meu pensamento,
Queria pruque queria,
Toda Maria que eu via
Lhe falava em casamento.

Naquele meu abandono,
Eu incabulado andava,
De noite não tinha sono,
De dia não trabaiava
E de tanto maginá
Naquele meu grande azá
Ainda uns dia passei
Leso, de cabeça tonta,
Não sei nem dizê a conta
Das malas que eu arrastei.

Lá mesmo no meu distrito
Morava umas dez Maria
Mas por parte do mardito
As mesmas não me quiria
Quando do assunto eu tratava,
Muntas inté se zangava.
Era um grande caipora.
E eu vendo que não achava
No lugá onde morava
Dei um broqueio pra fora.

A gente só desingana
Dispois que chega no fim;
Se deu no sitio Imburana
Um animado festim
E fui com munta alegria
Percurá uma Maria,
Porém, não deu risurtado,
Tive uma sorte misquinha
Na festa as moça já tinha
Cada quá seu namorado.

Porém dispois de hora e meia
Vi chegá perto de mim
Uma moça gorda e feia
Do cabelo pichuin;
Tinha aquela criatura
O corpo inguá, sem cintura.
O pescoço era incuído
Sua venta era achatada
Os óio munto cumprido
E as pestana bem faiada.

Como quem amô percura
Aquela rola de gente,
Com toda sua feiúra
Se sentou na minha frente
E eu fiz que não tava vendo
Dispois fiquei conhecendo
Que a gurducha da Imburana
Me arreparava e surria
Piscava os óio e batia
Aquelas quatro pestana.

Eu vendo aquela figura
Se atirando pra meu lado,
Divido a sua feiúra
Fiquei bastante acanhado
Com aquela arrumação;
Mas dixe com meus botão
Ela não tem um siná
De beleza e simpatia
Mais, porém, se fô Maria
Ainda vou me arriscá.

Casamento não se apela,
Por não ser isto brinquedo:
Me cheguei pra perto dela
Como quem fica com medo
Quando vê uma visage;
Dispois criando corage,
Preguntei com inergia
Que naci foi pra sê home:
Moça, me diga seu nome
E ela respondeu: - Maria

Com esta resposta bela,
Meu coração se buliu
E a feiúra da donzela
Depressa diminuiu;
Pois tinha o nome sagrado
Tão querido e abençoado
Da mamãe que Deus me deu.
E eu repreto de alegria
Preguntei logo: Maria,
Você qué casá com eu?

Ela não teve demora
Foi respondendo: pois não!
Graças a Deus eu agora
Descansei meu coração
Sempre sempre tinha andado
Percurando um namorado
E vivendo sempre só
No mundo do desengano
Já tou com trinta e dois ano
E nunca achei um xodó.

Eu, com o prazê que tive
Tratei logo de casá
O mais dipressa pussive,
Com medo de si acabá.
Falando com o vigaro,
Fui cuidá de meus preparo
Naquela mesma sumana,
E com doze ou quinze dia,
Eu já tava com Maria
Dentro da minha chupana.

Eu, com a minha Maria,
Fumo tratá de vivê;
Era uma amizade fria
Mas dava pra se ruê.
Porém veja o que ela fez,
Dispois de none ou dez mês
Que o casamento se deu,
Maria tava sisuda
Munto grossêra e bicuda
Sem querê falá com eu.

Mamãe munto me queria,
Era carinhosa e boa,
Mas minha muié Maria
Era o demônio in pessoa.
Tanta força que botei
Pra casá; quando casei
Não tive felicidade,
O maió desgosto tive,
Vivendo assim como vive
Um criminoso na grade.

Quando eu saía pra roça,
Maria ficava in casa,
Sisuda, de cara grossa,
Raivosa pisando em brasa,
E um certo jeito ela tinha
Que in vez de tá na cozinha
Se largava a passiá;
Quando eu vortava do roçado,
O fogo inda tava apagado
E o feijão sem cuzinhá

E se um jeitinho eu caçava,
Nas minhas arrumação
E uma carninha comprava
Pra misturá com feijão,
Pra mim de nada sirvia.
Quando pro roçado eu ia,
Munta vez aconteceu,
A safada na cuzinha
Cumê a carne suzinha
E largá o feijão pra eu.

Dimenhã quando eu dizia:
Maria, alevanta e faça o café,
Ela, bruta, respondia:
Faça ocê, se quizé
Não gosto de sê mandada
E nem sou sua empregada;
Era o que fartava agora!
Sua preguiça era tanta
Que merenda, armoço e janta
Tudo era fora da hora.

E assim Maria passava
Toda noite e todo dia;
Aquilo que eu preguntava
Munta vez não respondia.
Umas palavra de agrado
Não dizia pra meu lado
Tava sempre zuruó,
E além de sê priguiçosa
Bruta, grossêra e teimosa
Tinha farta mais pió.

Sem confiá no marido,
Muntas vez ela mandava
Arguém me botá sintido
Pra sabê se eu namorava.
E toda minha sentença,
Sofria com paciença,
Mas porém achava feio
Aquele seu mau custume,
Pois além de tê ciúme
Gostava dos home aleio.

Foi bem triste a vida minha
Foi bem triste o meu estado
Os objetos que eu tinha
Dentro da mala guardado
Maria dava sumiço.
Só Jesus sabe o supriço
Que eu sufri nas unha dela,
Filizmente, um missanguêro
Que passou no meu terrêro,
Um dia carregou ela.

E hoje, só, no meu caminho,
Vou pensando no ditado:
É mió vivê suzinho
Do que malacompanhado -
Foi esta a maió lição
Passada inriba do chão.
Não fiz meu prano direito,
E agora conheço bem
Que este mundo véio tem
Maria de todo jeito.

Roberto de Freitas - (31) 9950-7971
Histórias Criadas
Histórias Cantadas
Histórias Ouvidas
Histórias de Internaltas